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O Ponteiro dos Segundos




Acabei de entrar em casa. A porta estava destrancada como sempre. Eu não gosto de trancá-la mesmo e não há nada para ser roubado. Ou por outro lado o que de fato tem valor em minha casa está tão bem guardado que ladrão algum no mundo pode encontrar. Eu mesmo custo a achar algumas vezes...

Como já é de costume eu levo algum tempo pra me sentir à vontade mesmo em minha própria casa. Sempre que chego, parece-me que algo urgente precisa ser feito na rua e logo me vejo saindo outra vez . Percebo que preciso redescobrir o que diz o poeta: “Quem não tem aonde ir descobre a graça de saber ficar.” Não é fácil, mas sei que consigo se me dispuser a isso. Então, por hoje, eu fico... talvez nem fique por muito tempo, mas começo o exercício. Mesmo que eu demore a aprender, ou que seja difícil, eu sei que preciso.
Não tem comida pronta, mas não estou com fome mesmo. Um copo d’água já é suficiente. Quase sempre eu sinto mais sede do que fome. Aliás, há um certo tempo que não venho à cozinha a não ser pra beber alguma coisa rapidamente e sair de novo. Engraçado porque da porta da cozinha eu vejo o quintal onde eu brincava na infância. E eu gosto de verdade do meu quintal e de lembrar da minha infância, mas eu venho aqui olhar pela porta tão poucas vezes... Normalmente eu só vejo o quintal pela porta da frente, apenas rapidamente quando saio. Raramente eu o vejo inteiro como agora. De qualquer forma já esvaziei o copo e preciso sair da cozinha. Mas eu pretendo voltar aqui mais vezes...
Por fim eu me disponho a ir pra sala e descansar por um tempo, embora eu constantemente ache que não preciso. Mas entendo que é preciso reconhecer que sou humano e preciso repousar às vezes. Então eu tento, me forçando a crer que vou conseguir. Sento-me numa rotunda cadeira de balanço, sem nem mesmo ter vestido algo mais confortável ou caseiro. Nem mesmo lavei o rosto pra retirar os resíduos do mundo exterior. Acho que por isso eu não descanso de verdade. Eu talvez não queira me desligar completamente do mundo lá fora...

O corpo na cadeira não representa muita coisa. Ele não é capaz de aprisionar a mente e forçá-la a descansar também. Enquanto finjo estar quieto e descansando, todo o meu “software” – alma, mente, coração – gira vertiginosamente acompanhando um ritmo de algo maior que eu, que não conheço bem, mas me conforta e acolhe. Tudo isso acontece enquanto meus olhos miram o relógio da parede. Pra falar a verdade, não consigo discernir bem as horas porque nem vejo bem os ponteiros. Ou melhor, eu os vejo em permanente tensão pelo minuto que virá, mesmo sem saber qual será ele. Apenas o ponteiro dos segundos me prende a atenção. Ele é daqueles que andam continuamente, deslizando de um segundo pro outro, sem saltar, em direção ao futuro inexorável que há de se cumprir mesmo que o relógio pare de funcionar ou que eu simplesmente não olhe pro relógio.

Contemplando tudo isso, ouço dentro em mim um eco aparentemente sem sentido, mas que parece dar ritmo ao ponteiro dos segundos:
“Deus é capaz de fazer o que disse que faria”

O ponteiro prefigura a iminente partida que meu coração já vive.
Ele está mais próximo do seu fim último. Em breve eu devo sair de casa.
Mas por hora eu simplesmente estou olhando o ponteiro dos segundos...



Roberto Amorim
17 de junho de 2009
?h - ?min – 15seg.