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No Peito eu Levo uma Cruz*


O amor que transpassa o teu peito rasga no meu peito a gratidão.
(Ministério Missionário Shalom)

Creio que eu era ainda criança quando pela primeira vez pendurei em meu pescoço um pequeno barbante do qual pendia aquele singular sinal: uma trave vertical atravessada por outra horizontal, esta um pouco menor. Nelas repousava a imagem de um homem pregado, que só bem mais tarde fui aprender de quem se tratava. Naquele momento não fazia assim tanta diferença saber mais sobre a cruz ou sobre o personagem que nela se encontrava. Mas nem com muito esforço eu poderia intuir qual a dimensão que aquele símbolo tomaria em minha vida.

Lembro-me que não usava o crucifixo com tanta freqüência assim. Mas me lembro bem, ou melhor, SEI que numa das vezes em que tirei o cordão do pescoço, isso não foi mais suficiente para que a cruz saísse do meu peito. Tal qual um ferro em brasa, um carimbo incandescente, a cruz e tudo o que ela representava e viria a simbolizar para mim, toda a sua mística atravessava-me as roupas, o peito e imprimia sua marca em meu coração. Já não importava se da cruz eu me desfizesse, se a tirasse do pescoço... Dentro em mim ela já estava fincada no solo do meu Calvário interior. Constatei que ela havia invadido minha vida e dava o rumo de meus passos e o tom das minhas canções. Compreendi ali a realidade de um cavaleiro que, tão somente buscando servir o seu senhor, não se torna conhecido pelos seus grandes feitos e conquistas ou batalhas vencidas, mas pelo brasão do senhor ao qual serve que traz indelevelmente estampado em sua armadura. Vi que dentro em mim esse era meu maior anseio. Mas ao mesmo tempo em que percebia isso em mim, essa alegria de trazer na alma o brasão de Cristo, me questionava em algo que, uma vez respondido, passaria então a ser razão de júbilo ainda maior em minha vida: ao perceber que a cruz outrora trazida no peito e hoje na alma, tornara-se a insígnia de minhas andanças e vivências, eu me perguntava por que um sinal de violência animalesca e cruel se havia tonado alvo de meu fascínio e norte de minha fé? E estendo a outros essa reflexão que em mim pulsava: por que aceitar como símbolo uma imagem que menciona escancaradamente a violência humana que grassa em nosso meio e que tanto combatemos?

Entendo que o fascínio e atração que a cruz exerce sobre tantos corações - entre eles o meu – não estão e não podem estar em nenhum momento sobre um mórbido prazer de se contemplar o corpo espatifado de um jovem sobre a cruz. Não cultuamos a morte sob nenhum aspecto. Na realidade, olhar para aquele que transpassaram (Zac 12,10) é também deixar que nossos olhos transpassem o Gólgota e alcancem a mística da entrega da vida a um amor desmesurado pelos seus. Amor que ultrapassa toda a compreensão humana, que não entrega o que tem, mas o que é; que se entrega totalmente em razão do bem do próximo. No caso de Cristo, a salvação do gênero humano.

Assim descobri o porquê daquele símbolo ter afogueado de tal modo minha alma, meu coração. É desse modo que desejo me entregar: num amor que não veja ou consinta em limites na sua capacidade de doar-se e acolher. Tal como relata o evangelista: “Tenho amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.” (Jo 13,1). Não apenas um fim circunstancial, como amar até que se canse ou até que o amor se acabe, mas amar até que não haja mais o que amar; entregar até que já não haja nada mais pra ser entregue. Perder-se no Senhor e nele completar-se, como diz uma bela canção. E mais ainda: entender que tal entrega não se faz por mérito ou desejo de recompensa, ou mesmo pela vã esperança de assemelhar-se à glória do Cristo ou mesmo equipararmos nossa entrega à Dele. Mas viver tal entrega como sinal de eterna gratidão ao Senhor, em oferta de si mesmo por amor a Ele e aos irmãos. Amá-los sempre e mais e neles mirar o amor do próprio Deus. Encontrar sua Divina Face em cada rosto e assim servi-lo.

Amados irmãos de fé, mais do que crer no Senhor, creio que vivemos num tempo em que é necessário para nossa própria edificação vivermos em alguma dimensão esse amor pela Cruz do Senhor, sinal não de morte, mas de vida. É necessário estar disposto a dar a vida pela causa que dizemos crer. Não podemos mais viver uma fé estéril, de cumprimento de preceitos e obrigações, mas descobrir a razão de vivê-la será o sustentáculo para sermos fiéis até sua volta gloriosa. Nisso nós cremos! Nele esperamos!

Vivamos apaixonadamente o mistério da Cruz, pois a mística de tal entrega há de nos levar à intimidade do Seu Divino Coração.



Com carinho e orações,
Roberto Amorim.
Coqueiral de Aracruz – 02/08/2009.

*Música “Nova Geração” (Pe. Zezinho, scj)

Um comentário:

  1. Rô,
    O Calvário que nos intimida é o mesmo Calvário que nos cumula de vida!
    Os meios pelos quais Deus quis nos seduzir desafiam toda lógica e todo conhecimento humano.
    É, então, diante dessa verdade, que encontro o Divino Crucificado! Uma Divindidade que olhou para a humanidade destruída, e ainda assim, viu nela a vida! Só posso entender que Deus viu o que antes era pra ser: Sua Imagem! É só o que nos faz belos; e nesse só, ser concebido no Tudo DEUS!!!
    Lindo texto, reflexo de um coração consagrado ao Crucificado!

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