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Voltar pra Casa



 

    Ao fim de cada dia, de cada jornada de vida que cumprimos cotidianamente, nos deparamos com a chegada do período de repouso, descanso. Liberamos as tensões do dia e nos preparamos para o merecido refrigério de que tanto necessitamos. Tudo o que vivemos ao longo daquele pedaço de vida tem seu ocaso no momento que entramos em casa, retornando da batalha diária a que nos sujeitamos. Se a distância mensura o valor do lugar deixado, o retorno a casa torna-se a reconquista e o resgate de tudo o que somos para que se opere a reconstrução de nossas verdades mais íntimas ao longo do período de repouso. É a hora de despirmos o acidental e mergulharmos no essencial de nós mesmos. É necessário voltar pra casa ao fim de tudo...
    Entretanto, a volta não é a realidade mais agradável de experimentar. O operário que volta do seu ofício enfrenta as dificuldades do trajeto, do seu contexto social, de sua lida cotidiana. Do mesmo modo se dá com o peregrino coração que habita dentro de nós. Depois de suas muitas andanças e desacertos, é necessário tocar de novo o nosso lugar, entrar naquelas salas onde somos simplesmente nós mesmos.
    Resolver-se a tomar o rumo de volta pra casa, apesar de simples, é uma atitude que requer determinação e força. O caminho de volta pra casa é o mesmo e, paradoxalmente, não o é. Tomar o rumo de volta dói, arde, queima... A dor do retorno não é desmesurada, mas nos atinge na medida do quanto nossas fragilidades se fazem donas de nós.
    Confesso que em cada realidade que vivo no meu dia a dia, voltar pra casa é justamente a mais difícil em todo esse tempo. Não somente no campo espiritual de minha vida, mas como somos seres nos quais não há divisão de personalidade entre corpo e alma, o concreto de minha vida espelha a dificuldade interior em voltar pra casa. Muitas vezes apresentam-se no caminho chamarizes e atrações diversas, muitos nem tão sedutores assim, que nos prendem os olhos e o coração. Outras tantas, acabei permitindo que meus olhos pousassem sobre realidades marginais do caminho de volta pra casa, acidentes que não refletiam minha essência, que ainda que não tenham impedido meu retorno, muitas vezes mais atrasaram minha chegada. E assim tem sido minha busca por meu retorno interior. O caminho de volta passa por antigas vitórias que precisam ser recordadas, mas também por quedas assombrosas, sepulcros onde o homem velho ficara enterrado e ai precisa permanecer morto e sepultado. Passamos por castelos de areia que a fantasia construiu, que a Divina Misericórdia providencialmente fez ruir e não podem mais ressurgir em nossa historia.
    Percebo hoje, mais do que nunca, que é necessário ter a meta cravada dentro em mim para poder chegar onde Deus deseja me levar. Percebo que quem não tem os olhos fixos na meta, estaciona e para em qualquer esquina. Dentro em mim, a meta parece estar turva. Se outrora eu a tinha tão clara e viva diante dos olhos, já não a consigo perceber desse modo. Preciso desvencilhar-me do acidental. Arrancar-me de mim mesmo, ainda que saiba que tal atitude pode rasgar-me pedaços da alma. Mas a meta, se cravada firmemente no cerne da alma, compensará as dores.
    É preciso saber voltar pra casa. Minha casa, metáfora bela de minha essência. Eu preciso retornar à minha casa, tomar de volta nas mãos as chaves de minha história e entregá-las nas mãos do Senhor.
    É tempo de voltar pra casa...

 
    
Roberto Amorim
(voltando pra casa...)

 

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